Chega na sua sala vermelha um paciente vítima de politrauma, obeso, com PA 70/40mmHg, pele fria e com má perfusão périférica, apenas com um acesso intraósseo disponível obtido no atendimento pré-hospitalar.
Você sabe que necessita fazer a ressuscitação volêmica desse paciente. Podemos realizar através do intraósseo? Ok, é uma opção, porém sabemos que é um acesso que pode não ser tão duradouro. Podemos pegar um acesso central? Claro, geralmente é a opção mais rápida e mais acessível. Entretanto, caso não tenhamos o eco à beira leito disponível e que o acesso central seja potencialmente difícil, podemos lançar mão da flebotomia.
A flebotomia nada mais é do que a incisão realizada na veia, que, no contexto da emergência, objetiva a obtenção de um acesso venoso para ressuscitação volêmica e administração de medicações. Apesar de não ser um método de primeira escolha, a importância de se obter um acesso venoso em pacientes críticos e vítimas de trauma justifica termos mais esta carta na manga disponível em situações adversas. A grande vantagem é que este procedimento não interfere nos esforços de ressuscitação que estão ao redor da cabeça, pescoço, tórax e abdômen do paciente. Além disso, sempre é bom lembrar que garantir um acesso calibroso impacta diretamente na qualidade da ressuscitação volêmica que objetivamos, sendo possível correr uma bolsa de hemoderivados em até 3 minutos.
Indicações
- Necessidade de acesso periférico em pacientes com difícil acesso (cicatrizes em locais de acesso central, grande queimado);
- Paciente em PCR;
- Vítima de trauma que requer uma ressuscitação volêmica definitiva;
- Falha na obtenção de acessos periféricos, intraósseo e central em crianças
Contraindicações
- Absolutas: lesão vascular, retirada da safena, fratura óssea próxima à incisão;
- Relativas: distorção anatômica por má formação, infecção local, distúrbios de coagulação
Local de escolha
A safena magna é a melhor opção de escolha, pois é a veia mais longa, mais
superficial e com menor variação anatômica. Ao nível do maléolo medial, ela fica logo acima do periósteo da tíbia e pode ser palpável eventualmente. O nervo safeno (ramo do femoral) acompanha a safena e é responsável pela inervação sensitiva da perna e pé. No isolamento da veia, geralmente ele é seccionado, o que clinicamente não é algo significativo. A safena ao nível femoral, cerca de 3 a 4 cm do ligamento inguinal, também é uma opção, tendo a vantagem de possuir maior diâmetro nesta topografia.
No membro superior, podemos utilizar a veia basílica, sendo uma segunda opção caso a safena não estiver acessível.
Técnica
Abordaremos com maior enfoque a flebotomia da safena magna no tornozelo.
1) Identifique o local de acesso. Imobilizar o membro na cama ou pedir ajuda para segurá-lo
2) Realize antissepsia do local com colocação de campo estéril
3) Afaste a pele com a mão não dominante e realizar uma incisão transversal ao trajeto da veia. Importante que a incisão deve ser SUPERFICIAL. Após a exposição do tecido subcutâneo, a veia encontra-se logo abaixo.
4) Para o isolamento da veia deve se utilizar uma pinça hemostática curva voltada para baixo, divungindo até que a mesma esteja exposta. Após vira-se a pinça com a ponta voltada para cima, passando por baixo da veia e abrindo-a de forma ampla. Com este movimento conseguimos separar a veia do nervo e do tecido subcutâneo.
5) Coloque uma pinça hemostática reta para elevar a veia
6) Após isolada a veia, oclui-se a extremidade distal com um nó de sutura, passando o fio na extremidade proximal, porém sem dar o nó.
7) Faça uma incisao na metade do diâmetro da parede da veia com a lâmina ou a tesoura.
8) Segure a veia com a pinça hemostática e insira o cateter para dentro cuidadosamente para não transfixar a veia. Teste para ver se o acesso está adequado com infusão de salina.
9) Dê um nó de sutura no cateter (região proximal), mas sem apertar muito para não obstruí–lo. Solte a sutura distal.
10) Para finalizar, suture a pele ao redor e fixe o cateter com mais um ponto externo na pele.*
* A canulação pode ser feita por várias técnicas (cirúrgica, seldinger, seldinger modificada, cateter intravenoso). O importante é obter o acesso da forma mais rápida possível. Aqui focamos na canulação cirúrgica.
Sabemos que a flebotomia não é realizada de forma corriqueira na maioria das emergências, mas lembre-se que certamente ela pode ser a última saída para obtenção de um acesso venoso periférico em situações adversas.
Referências
ERIC F. REICHMAN, Emergency Medicine Procedures, 2nd edition
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