Rabdomiólise baseada em evidências

Se a busca nas imagens do Google for por rabdomiólise, não estranhe ou pense que você quis dizer crossfit. A correlação tem sentido: músculo! A doença é uma condição complexa definida pela destruição muscular com liberação do conteúdo intracelular, incluindo mioglobina, creatinofosfoquinase (CPK), lactato desidrogenase e eletrólitos.

Mais comum em homens entre 10 e 60 anos e em obesos, vai de assintomática (com leve elevação de CPK) ao risco de vida por insuficiência renal, distúrbios eletrolíticos graves e coagulação intravascular disseminada (CIVD).

As causas também são variadas. Enquanto trauma ou esforço excessivo são causas comuns de rabdomiólise, há uma gama de outras etiologias descritas, hereditárias ou adquiridas, sendo que aproximadamente 75% dos primeiros episódios são devido a uma causa adquirida. Variações extremas de temperatura, alterações eletrolíticas, infecções, causas vasculares, medicamentos, drogas, toxinas,  doenças autoimunes e até alguns alimentos podem causar rabdomiólise. Dá uma olhada na tabela abaixo:

CAUSAS RABDOMIÓLISE

E antes que alguém coloque toda a culpa na estatina: apesar de 10% dos pacientes em uso queixarem de dor muscular ou edema, o risco de rabdomiólise é baixo (1-2 pacientes a cada 100.000 em uso do medicamento) e quando ocorre tem maior frequência em idosos, que podem estar em uso de outro medicamento de alto risco e comorbidades  concomitantemente.

Importante! Em casos de múltiplos episódios, cãibras recorrentes e história familiar de rabdomiólise ou distúrbios musculares e genéticos deve-se suspeitar de etiologia hereditária subjacente.

Muitas causas, muita variação na gravidade, MUITAS formas de apresentação clínica

RABDOMIOLISE FISIOPATO

Os sintomas geralmente refletem a causa da rabdomiólise e os sintomas associados às complicações. Ao avaliar um paciente com suspeita de rabdomiólise, questionar:

    • História relacionada aos sintomas de rabdomiólise > buscar possíveis causas
    • Fatores de risco
    • História prévia de rabdomiólise

 

A tríade convencional de sintomas inclui mialgias agudas ou subagudas, fraqueza muscular transitória e urina escura.  

No entanto, a presença dos três sintomas são encontrado em 10% dos pacientes! Os sintomas mais comuns incluem dor (80%), fraqueza (70%) e inchaço muscular (8%). Sintomas inespecíficos são comuns.

Quais exames pedir?

  • Eletrocardiograma: pelo risco de arritmias em função dos distúrbios eletrolíticos
  • Hemograma, eletrólitos (incluindo cálcio e fosfato), função renal e hepática, CPK, ácido úrico e exame de urina.

Uma CPK elevada é diagnóstica, com muitos especialistas usando um nível de limite de cinco vezes o limite superior de normal ou aproximadamente 1000 UI/L. Os níveis de aumentam de 2-12h após a lesão, atingem o pico ao longo de 24-72 h e diminuem após mais de 5 a 10 dias.

Uma metanálise sugere que o nível da CPK e risco de lesão renal aguda (IRA) podem estar correlacionados no contexto de lesões por esmagamento, mas os níveis de CPK no contexto de rabdomiólise devido a outras causas não são preditivas de lesão renal! A creatinina sim é marcador de gravidade.

ATENÇÃO: o nível basal de CPK pode ser cinco vezes maior  o limite superior do normal em pacientes com doenças musculares crônicas! Nesses casos, buscar exames prévios e correlacionar com sintomas. A mioglobina sérica é não é necessária, porque tem uma meia-vida mais curta que a CPK e pode normalizar dentro de 6 a 8 h, resultando em uma sensibilidade ruim.

Eita! Complicou…

Rabdomiólise pode causar:

  • Hipercalemia e hipocalcemia podem resultar em arritmia cardíaca
  • Hiponatremia, acidose metabólica, hipocalemia, hiperfosfatemia e hiperuricemia
  • IRA pode se desenvolver em 14% a 46% dos pacientes:  Necrose tubular aguda por deposição e obstrução de globinas
  • Disfunção hepática ocorre em 25% dos casos e é provavelmente multifatorial
  • Coagulação intravascular disseminada (CIVD), por ativação sistêmica da via de coagulação a partir dos componentes do miócito

Tratamento? Hidrate, resolva a causa e maneje as complicações! 

Abordagem inicial: hidratação IV, com uma meta de diurese 300mL/h, o que pode exigir uma infusão de até 1,5 L/h.  ATENÇÃO! Em pacientes anúricos, pode levar a congestão: ter cautela.

  • Hidratação com soro fisiológico ou ringer lactato: Um estudo não encontrou diferença no nível sérico de potássio ou no clearance de CPK entre os dois. Cloreto de sódio 0.9% pode ser escolha, mas lembra que  vários litros podem levar a acidose metabólica hiperclorêmica, que pode diminuir o clearance da mioglobina.
  • Hipocalcemia: a administração de gluconato de cálcio deve ser evitada, a menos que por hipercalemia haja alterações no ECG, pois a suplementação de cálcio pode piorar a lesão muscular e levar à hipercalcemia de início tardio.
  • Alguns especialistas sugeriram a adição de bicarbonato a hidratação IV, já que ocorre diminuição de pH urinário, na rabdomiólise. O bicarbonato facilitaria a excreção renal de mioglobina e reduziria a acidose urinária. É importante notar que grandes doses de bicarbonato podem piorar o grau de hipocalcemia.

Não há evidências em ensaios clínicos randomizados que sugiram benefício adicional com bicarbonato de sódio ou manitol sobre a hidratação agressiva isolada, na redução da lesão renal aguda, necessidade de diálise ou morte.

IMPORTANTE! os estudos foram feitos em pacientes com níveis de CPK de até 30.000IU/L. Não está claro se isso seria benéfico entre pacientes com rabdomiólise mais grave e níveis de CK acima 30.000IU/L.

  • Furosemida: 40-120 mg/dia havia sido preconizado para a diurese forçada, mas não demonstra benefícios adicionais na rabdomiólise além da ressuscitação com fluidos. Os diuréticos de alça podem piorar a acidose na urina, e não há benefício na mortalidade, necessidade de diálise, ou tempo de internação.

Manitol, bicarbonato de sódio e furosemida não devem ser usados no manejo de rabdomiólise, com base nas evidências atuais.

  • Hemodiálise: Tratamento conservador é preferido, mas hemodiálise deve ser considerada em pacientes anúricos, com creatinina elevada ou que apresentam risco de vida por distúrbios eletrolíticos.  Apenas 4% a 20% dos pacientes com IRA causada por rabdomiólise requer hemodiálise. De qualquer forma, o início da hemodiálise sempre deve ser discutido junto a um nefrologista.

Tratar a causa:

  • Extremos de temperatura: resfriamento ativo ou aquecimento
  • Síndrome compartimental: fasciotomia
  • Oclusões arteriais: trombectomia ou intervenção vascular como indicado
  • Infecções devem receber antibióticos apropriados
  • Todos os medicamentos potencialmente causadores devem ser descontinuados e receber antídoto apropriado, se for o caso.

A maioria dos pacientes com rabdomiólise necessitará de internação para hidratação e avaliação de complicações. No entanto, trata-se de uma condição benigna na maioria dos pacientes, que terão recuperação sem lesão renal a longo prazo. Pacientes com sintomas leves, etiologia clara, sinais vitais estáveis, função renal e eletrólitos normais e com capacidade de hidratação oral pode ter alta com acompanhamento. Então, não precisa se apavorar e largar o exercício físico, ok? Se ficou com dúvida, comenta pra gente discutir juntos!

Resuminho

 

RABDOMIÓLISE INSTA (2)

 

Referências

  1. B. Long, A. Koyfman and M. Gottlieb, An evidence-based narrative review of the emergency department evaluation and management of rhabdomyolysis. American Journal of Emergency Medicine, https://doi.org/10.1016/j.ajem.2018.12.061
  2. http://www.emdocs.net/emdocs-cases-evidence-based-recommendations-for-rhabdomyolysis/
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