SULFATO DE MAGNÉSIO: AME-O OU DEIXE-O

Ainda hoje escutamos histórias de quadros clínicos que reverteram com uma dose milagrosa de sulfato de magnésio. Sabemos que sua real indicação, em diversas condições, varia entre o “off-label” e o “on-label” e estamos aqui para desvendar esse mistério, quase, baseado em evidências.

Devo usar Sulfato de Magnésio no manejo do Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)?

Bom, aqui você começa a ficar nervoso… porque se a resposta for “sim” no final desse parágrafo, a conduta que você vem tomando todos os dias pode estar errada. Então, para evitar automedicação com benzodiazepínicos durante a leitura, vou logo adiantando (alerta de spoiler) que a resposta é NÃO.

Antigamente se achava que a administração de sulfato de magnésio (MgSO4) intravenoso no intuito de atingir níveis supra fisiológicos poderia mudar mortalidade e diminuir a incidência de arritmias. Essa hipótese se baseava em conceitos farmacológicos visto que ele inibe o influxo celular de cálcio cursando com vasodilatação do M.liso, incluindo brônquios e coronárias. Além disso, ele é responsável por ser cofator em mais de 300 reações enzimáticas, com extrema importância na modulação elétrica celular.

Depois de muita polêmica entre os cardiologistas (que novidade..), um dos grandes trials que não mostrou benefício em mortalidade foi o Early administration of intravenous magnesium to high-risk patients with acute myocardial infarction in the Magnesium in Coronaries (MAGIC), um estudo duplo-cego, randomizado em pacientes com o Infarto Agudo do Miocárdio com supradesnivelamento de ST.

A administração de magnésio intravenoso NÃO mudou mortalidade nos 30 dias avaliados em comparação com o grupo controle. Esses resultados foram confirmados posteriormente por uma grande metanálise da Cochrane localizada nas referências abaixo.

Por isso, os guidelines nacionais e internacionais NÃO RECOMENDAM a reposição de magnésio em pacientes com a dosagem sérica de magnésio normal.


Referências:

  • ISIS-4: a randomised factorial trial assessing early oral captopril, oral mononitrate, and intravenous magnesium sulphate in 58,050 patients with suspected acute myocardial infarction. ISIS-4 (Fourth International Study of Infarct Survival) Collaborative Group. Lancet. 1995;345(8951):669-85
  • Early administration of intravenous magnesium to high-risk patients with acute myocardial infarction in the Magnesium in Coronaries (MAGIC) Trial: a randomised controlled trial. Lancet. 2002; 360(9341):1189-96.
  • http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2015/02_TRATAMENTO%20DO%20IAM%20COM%20SUPRADESNIVEL%20DO%20SEGMENTO%20ST.pdf
  • Li J., Zhang Q., Zhang M., Egger M. (2007) Intravenous magnesium for acute myocardial infarction. Cochrane Database Syst Rev, CD002755.

Quando e como devo usar Sulfato de Mg na parada cardiorrespiratória (PCR)?

O magnésio há um tempo atrás (antes dos anos 2000) já foi investigado como droga de primeira linha nos pacientes com PCR, e, como você deve saber pela sua prática nos dias de hoje, o seu uso de rotina em TODOS os pacientes NÃO É INDICADO.

Pelo guideline da American Heart Association, essa recomendação é dita como classe III, nível C-LD, ou seja, não há evidências a favor e a Task force (vulgo especialistas, não powerangers) não recomenda seu uso rotineiro.

Entretanto, porém, todavia… na suspeita em que a PCR seja por consequência de uma taquiarritmia chamada Torsades de pointes (talvez a única palavra em francês que eu saiba falar), a reposição de magnésio intravenoso deve ser considerada. Essa recomendação é considerada classe IIb, nível C-LD. Ou seja, nos faltam estudos mas é razoável usar.

O Torsades de pointes (Tdp) é um tipo de arritmia ventricular polimórfica e ela somente pode ser chamada de Tdp quando em vigência de aumento de intervalo QT. O papel do Magnésio no seu tratamento também é controverso mas o fato dele conseguir encurtar o intervalo QT nos torna otimistas quanto ao seu uso. Mesmo com a falta de evidências, o sulfato de magnésio é indicado como droga de primeira linha no tratamento da Tdp (aplausos) associado à desfibrilação.

Apresentação comercial:

Ampolas a 10%: contém 1 g de sulfato de magnésio em 10 mL.   

Ampolas a 20%: contém 2 g de sulfato de magnésio em 10 mL.

Ampolas a 50%: contém 5 g de sulfato de magnésio em 10 mL.

A dose recomendada é:

Sulfato de magnésio – 2g IV (4mL da solução a 50%) diluído em no mínimo 10mL de SG 5%

A TAXA DE INFUSÃO VAI DEPENDER DO QUADRO CLÍNICO DO PACIENTE!

SEM PULSO = 1 a 2 min de infusão

COM PULSO = Pelo menos 15 min

Alguns pacientes podem apresentar Tdp recorrentes, necessitando assim de infusão contínua com Mg – 3 a 20 mg/min, com objetivo de manter a dosagem sérica entre 3.6 – 4.9 mg/dL.

Referências:

O Magnésio e a Asma, a espera de um milagre?

Ninguém gosta de ser chamado de ser o “coadjuvante” né? Mas, infelizmente, nosso amigo Magnésio ainda vai continuar como uma medicação de segunda linha no tratamento da asma.
Diversos estudos corroboram com seu uso no arsenal terapêutico da asma refratária. Entretanto, devido a análise de pequenas amostras, os principais guidelines ainda não consideram o sulfato de magnésio como um droga a ser usada de rotina. Devido ao seu baixo custo e seus mínimos efeitos colaterais, você pode considerar seu uso mesmo contra as evidências. Apenas evite seu uso em pacientes bradicárdicos.
Esse trial, duplo cego, randomizado, publicado em 2007 na JAMA, teve como objetivo determinar se o Mg IV e o Mg nebulizado são eficazes no tratamento da descompensação da asma grave.
Curiosamente, eles excluíram pacientes com características ameaçadoras à vida.
Haviam três grupos no estudo e todos os pacientes receberam uma dose IV e uma dose nebulizado:
1) IV MgSO4 e placebo nebulizado
2) Placebo IV e MgSO4 nebulizado
3) Placebo IV e placebo nebulizado

Os desfechos principais foram internação hospitalar e a presença de dispneia em 2 horas. Em essência, o efeito do MgSO4 nesses pacientes parece mínimo. O MgSO4 nebulizado parece não ter efeito algum e o IV tem um efeito mínimo nas taxas de admissão, mas não afeta a clínica do paciente.

Caso você acredite no poder do magnésio e no seu efeito broncodilatador, sua dose intravenosa recomendada é:

Adultos – IV: 2g em 100mL de SG 5%  em 20 minutos

Pediatria – 50mg/kg em 20min – max 2g

Mas, lembre-se de não perder tempo em esperar uma resposta milagrosa e antecipe-se no seu plano de abordagem à via aérea!

Referências

Fibrilação Atrial (FA) de alta resposta e o Magnésio, o retorno.

A fibrilação atrial é a arritmia mais frequente na emergência e seu manejo varia conforme os consensos pelo mundo. O fato do sulfato de magnésio ser uma droga barata não o ajuda em incentivos para grandes estudos, mas no último ano, nosso amigo magnésio ganhou a atenção como… coadjuvante na terapia de controle da frequência cardíaca da FA de alta resposta.

O estudo que trouxe essa discussão de volta aos holofotes foi o LOMAGHILOw dose MAGnesium sulfate versus HIgh dose in the early management of rapid atrial fibrillation, feito na Tunísia: um ensaio clínico randomizado e duplo-cego, no intuito de determinar o benefício de duas doses de sulfato de magnésio (4,5g x 9g) diluídos em 100ml de SF0,9% versus placebo no controle da frequência cardíaca além do uso bloqueadores do nó atrioventricular que ficaram a escolha do médico local.

O desfecho primário era redução da resposta ventricular em até 4 horas para < 90 bpm ou redução de ≥ 20% da frequência cardíaca inicial. Foram excluídos todos os pacientes instáveis hemodinamicamente ou com alguma contra-indicação ao uso do sulfato de magnésio.

Os resultados foram os seguintes:

450 pacientes receberam as medicações:

  • Placebo = 149 pacientes
  • LowMg (4,5g) = 148 pacientes
  • HiMg (9g) = 153 pacientes

Taxa de resposta terapêutica em 4 hrs:

  • HiMg = 59.5%
  • LowMg = 64.2%
  • Placebo = 43.6%

Taxa de resposta terapêutica em 24hrs:

  • HiMg = 94.1%
  • LowMg = 97.9%
  • Placebo = 83.3%

O que esse estudo muda em nossas vidas ?

Importante ressaltar que o estudo tenta mostrar que o sulfato de magnesio agiliza o controle da frequência cardíaca, mas será que isso tem um real benefício aos pacientes? Bom, em pacientes com FA de alta resposta que não são candidatos a reversão para ritmo sinusal, talvez o uso de 4,5g de Sulfato de Magnésio associado a uma droga para controle da FC (o Digital foi o mais usado no estudo) te ajude a atingir o controle da resposta ventricular mais rápido e mais eficiente. Uma limitação importante deste estudo é o simples fato de não sabermos a dose usada da droga escolhida para o controle da frequência cardíaca. Então, será mesmo que foi você, magnésio? #ficaadúvida

Referências:


Eclâmpsia e o Magnésio, uma relação de amor ?


Imaginem o cenário: uma mulher saudável de 23 anos com 37 semanas de gestação apresenta-se convulsionando. Ela não tem histórico de convulsões, drogas, traumas, doenças, etc. Você está se dirigindo a abordagem primária e as enfermeiras perguntam “Que medicação você quer para parar a crise”?

a) Diazepam 10mg IV

b) Fenitoína 20mg / kg IV

c) MgSO4 4g IV

d) “Vai passar..”

Antes de responder essa pergunta vamos rever alguns conceitos!!

Pré-eclâmpsia:

A hipertensão arterial na gravidez é uma das principais causas de mortalidade e morbidade materna. A hipertensão representa um espectro de possíveis diagnósticos a serem pensados(hipertensão pré-existente, hipertensão induzida pela gravidez, pré-eclâmpsia e eclâmpsia).

A pré-eclâmpsia é definida como hipertensão arterial associado a proteinúria. Entre 2-8% ou gestações desenvolvem pré-eclâmpsia. Mulheres com hipertensão antes da gravidez têm um risco de 20% de desenvolver pré-eclâmpsia.

Proteinúria é o outro componente essencial para fazer o diagnóstico de pré-eclâmpsia. Você deve suspeitar fortemente de proteinúria quando o teste rápido de urina mostrar > 2+ de proteínas.

Embora a pré-eclâmpsia seja bastante comum, a eclâmpsia é uma complicação bastante rara. Curiosamente, apenas 20% das mulheres com eclâmpsia documentaram a hipertensão na semana anterior à convulsão, 10% terão apenas proteinúria e 10% não terão nenhuma das duas. A eclâmpsia geralmente ocorre na segunda metade da gravidez ou durante o parto. No entanto, ainda pode ocorrer após o nascimento.

Questão:
Qual o melhor tratamento para eclâmpsia, sulfato de magnésio ou diazepam?


Referência:
Duley L, Henderson-Smart DJ, Walker GJA, Chou D. Magnesium sulphate versus diazepam for eclampsia. Cochrane Database of Systematic Reviews 2010

População : Sete ensaios em países de baixa a média renda, com 1386 mulheres com eclâmpsia.
Intervenção : dose de ataque de MgSO4 4g IV seguida de infusão de 1g / h vs. diazepam 40mg de dose de ataque IV seguida por uma infusão de 20mg / 500ml – titulando até o efeito desejado
Análises: Morte, recorrência de convulsões, acidente vascular cerebral ou qualquer morbidade grave

Resultados principais:
– 41% de redução do risco relativo em morte com MgSO4
– Redução do risco relativo de 57% na recorrência de convulsões com MgSO4 ( eu sabia que te amava Mg ! )
– O mecanismo de ação do sulfato de magnésio para tratar a eclâmpsia não é claramente entendido. O magnésio também é recomendado como profilaxia contra a eclâmpsia em mulheres com pré-eclâmpsia grave.

Conclusão do autor
“Sulfato de magnésio para mulheres com eclâmpsia reduz a taxa de risco de morte materna e de recorrência de convulsões, em comparação com o diazepam”.

É impressionante a disparidade da mortalidade materna entre os países desenvolvidos e os de baixa/média renda. O risco de morte em países desenvolvidos por questões relacionadas à gravidez é de 1 em 1.000-4.000. Em contraste, as mulheres nos países em desenvolvimento têm um risco de morte entre 1 em 15-20
O sulfato de magnésio comparado ao diazepam reduziu o risco relativo de morte em 41% e a recorrência de convulsões em 57%. é barato, seguro, fácil de dar e eficaz.

É IMPORTANTE LEMBRAR QUE:  O parto é o único tratamento definitivo para pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. No entanto, uma boa dose de sulfato de magnésio pode salvar vidas e impedir novas convulsões em mulheres com eclâmpsia.

A dose varia conforme protocolos, segue abaixo a dose recomenda pela World Health Organization:

  • Ataque: 4 – 6g, IV, em 5 – 10 min E  10g, IM (5g em cada nádega)
  • Manutenção: 1 a 3 g/hora, IV ou 2,5g, IM, 4/4h – dose máxima 40g/dia


Meu amigos e amigas, o que podemos concluir com esse post é que o Sulfato de Magnésio ainda “samba” entre as evidências mas é uma droga que deve ser SEMPRE usada na ECLÂMPSIA e no TORSADES DE POINTES

Referências:

*Um obrigado especial à minha amiga Marion por corrigir minhas vírgulas.

Publicidade

3 comentários Adicione o seu

  1. Giordanna disse:

    Excelente texto! Bem-humorado e recheado de evidências. Parabéns!

    Curtir

    1. ianwardabdalla disse:

      Valeu Giordannaaaa !!!!
      São feedbacks assim que nos motivam !

      Curtir

  2. Paty disse:

    Excelente texto…. deu vontade de continuar lendo. Leitura leve ! Parabéns !

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s