Epiglotite

A epiglotite faz parte de um grupo de condições que antes eram muito prevalentes e com o advento das imunizações tornaram-se menos comuns. Durante as aulas da graduação (especialmente as de pediatria) aprendemos a temê-la, mas a baixa frequência com que é vista atualmente pode nos levar a não pensar nessa doença como diagnóstico diferencial na emergência, no entanto, a epiglotite ainda merece respeito (especialmente em tempos de seitas anti vacinação!!), por isso, vamos revisar esse assunto hoje. 

Definição

Inflamação das estruturas dos tecidos moles supraglóticos, que podem levar à oclusão das vias aéreas durante um período de tempo relativamente curto, tipicamente 2-7 dias. Devido à possibilidade de descompensação rápida para a oclusão das vias aéreas, esta é considerada uma emergência otorrinolaringológica.

De onde surge essa doença?

A epiglotite pode ter causas infecciosas e não infecciosas (lesão térmica, ingestão de corpo estranho ou de substância cáustica). Dentre as causas infecciosas, os agentes mais comuns são: 

  • Haemophilus influenzae tipo b
  • Streptococcus pneumoniae, incluindo cepas que podem ser resistentes à penicilina
  • Streptococcus do grupo A
  • Staphylococcus aureus (incluindo MRSA)

Doença de criança?

Durante a pediatria nos ensinaram a manter nossos olhos atentos para aquela criança que chega à emergência apresentando os “3 D’s”: DROOLING, DYSPHAGIA, DISTRESS (sialorréia, disfagia e angústia) e falando com “voz de batata quente”. Durante a maior parte da história moderna, a epiglotite foi primariamente uma doença de crianças, predominantemente causada por Haemophilus influenzae tipo B (Hib). Devido ao sucesso da vacina contra este agente, a importância dessa condição ressurgiu entre os adultos. No mundo de gente grande, a epiglotite é associada a diversas comorbidades como hipertensão, diabetes, abuso de substâncias e imunossupressão (condições que, infelizmente, não podem ser prevenidas com uma simples picadinha no braço). 

Quando suspeitar? 

O início pode ser abrupto e com progressão rápida dos sintomas nas crianças, porém costuma evoluir mais lentamente nos adultos. 

Manifestações mais observadas em crianças: 

  •  dispneia
  • estridor 
  • tosse 
  • febre alta 
  • irritabilidade 
  • voz abafada/disfonia 
  • Posição de tripé: tronco inclinado para frente, pescoço hiperestendido e queixo para frente em um esforço para maximizar a patência da via aérea.

Manifestações mais observadas em adultos:

  •  odinofagia
  • disfagia 
  • mudança de voz 
  • estridor raramente está presente, mas quando existe é um sinal de alerta para oclusão 

O exame orofaríngeo, por sua vez, é normal na maioria dos pacientes e uma epiglote aumentada frequentemente não é vista.

Dica importante:  Desconfie de epiglotite naquele paciente que retorna à emergência com queixa de agravamento da dor de garganta.

Preciso pedir exames complementares?

Como em qualquer outra situação, a solicitação de exames complementares deve obedecer a boa e velha regra do bom senso. No caso da epiglotite, as radiografias são mais úteis na avaliação de pacientes nos quais ela é uma possibilidade, mas outras condições são mais prováveis (uveíte, laringotraqueíte, abscesso peritonsilar e corpo estranho, por exemplo). 

Além disso, os exames devem ser postergados se aumentarem o nível de ansiedade do paciente ou retardarem o diagnóstico e o manejo definitivo (obviamente!)

Se realizada, a radiografia pode mostrar o famoso “sinal do polegar” que corresponde à visualização de uma epiglote aumentada, além de perda de espaço aéreo valecular, pregas ariepiglóticas espessas e / ou hipofaringe distendida. 

MANEJO IMEDIATO

Segure a emoção! Esse não é o melhor momento para ser impulsivo. Adie tentativas de visualizar a epiglote (abaixador de língua ou qualquer outro instrumento) ou procedimentos invasivos e que causem dor (acesso venoso, por exemplo) enquanto não avaliar e manejar a via aérea. 

Chame os amigos! Não queira bancar o herói da intubação. Prepare o material de via aérea difícil caso seja necessário e envolva outros especialistas em vias aéreas (anestesista e otorrinolaringologista, por exemplo) sempre que disponível. 

Meu paciente não consegue manter a via aérea! Tente ventilar com bolsa-máscara-válvula.

Meu paciente não consegue oxigenar! Tente intubação endotraqueal por sequência rápida, mas esteja preparado para estabelecer uma via aérea cirúrgica.

Ufa! Meu paciente consegue manter a via aérea. Forneça oxigênio umidificado suplementar. Se for criança, mantenha em posição de conforto com os pais presentes (por exemplo, sentado no colo dos pais).    

Tratamento adjunto:

  • Ampicilina-sulbactam ou amoxicilina-clavulanato são as recomendações iniciais preferidas de antibióticos
  • Vancomicina para pacientes criticamente doentes e com suspeita de infecção por MRSA
  • Sempre que possível, uma hemocultura e, em pacientes intubados, uma cultura epiglótica deve ser obtida antes da administração do antibiótico.
  • AINE / Corticosteróides para controle da dor e inflamação. 

RESUMO PARA OS DESATENTOS!

  • A epiglotite pode ser rara, mas ainda ocorre e merece respeito (sim! na medicina as minorias também merecem respeito sempre!)
  • A epiglotite não é mais uma doença somente pediátrica.
  • Nem sempre é causada por infecção. Queimaduras térmicas e cáusticas, além de  traumas também podem levar a desastres nas vias aéreas!
  • Desconfie de epiglotite naquele paciente que retorna à emergência com queixa de agravamento da dor de garganta.
  • A apresentação clássica  (3Ds drooling, dysphagia e distress) é incomum; lembre-se dos outros achados!
  • Esteja munido e bem acompanhado para uma via aérea difícil!

REFERÊNCIAS E LEITURA COMPLEMENTAR

Ped EM Morsels: https://pedemmorsels.com/epiglottitis/

Rebel EM: https://rebelem.com/rebel-core-cast-11-0-epiglottitis/

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1 comentário Adicione o seu

  1. Lucas disse:

    O Haemophilus tipo B não é um vírus, mas uma bactéria cocobacill Gram negativo.

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