Balaio de gato

Está começando o inverno e com ele o vinho, a lareira, as bronquiolites e os casacões. Apesar de não ser o mais agradável, já sabemos sobre quais desses teremos que falar – não, não pode ser o vinho.

                Antes de falarmos da bronquiolite viral aguda em si, lembre-se: você estará na porta de entrada do serviço e a criança não chegará avisando que tem um acometimento das vias respiratórias de pequeno calibre por agente viral, geralmente o vírus sincicial respiratório (VSR) – olha o conceito! –, ocorrendo em epidemias e acometendo até 50% das crianças menores de 1 ano durante os meses de inverno – olha a epidemiologia! -, ocasionando uma reação inflamatória com aumento da produção de muco e da broncorreatividade – olha a fisiopatologia! –, não. Ela chegará com um quadro respiratório cuja apresentação poderá depender da idade.

                Comecemos então pela localização na via aérea que está o acometimento. Uma das principais ferramentas clínicas para esta determinação é a frequência respiratória, algo frequentemente negligenciado em nossa propedêutica. Devemos considerar o acometimento de vias aéreas baixas quando a criança estiver taquipneica. Dentro das síndromes respiratórias febris agudas das crianças, pensaremos em bronquiolite ou pneumonia. Então, afinal, como pensar em bronquiolite viral aguda (BVA)?

                Bem, o diagnóstico de BVA é clínico. O quadro inicia como um acometimento de via aérea alta num quadro gripal: coriza hialina, tosse seca, febre baixa, anorexia, irritabilidade. Esta fase geralmente tem duração de 2 a 3 dias. A seguir, o lactente segue com quadro de tosse, geralmente pior quando acordada e agitada, que pode ter caráter coqueluchoide. No neonato, a apresentação pode ser com períodos de cianose e apneia. Ao exame físico, a criança estará tipicamente irritadiça, por vezes desidratada devido à dificuldade de ingesta causada pela taquipneia e pode apresentar tiragem. Na ausculta respiratória, o mais comum são os sibilos e roncos. O quadro dura tipicamente entre 5 e 10 dias, com resolução espontânea, mas em alguns casos a sibilância e a tosse podem durar até 3 semanas (em especial nas infecções por adenovírus) e, raramente, para bronquiolite crônica obliterante.

                E os exames complementares não ajudam? Na realidade, não muito. Eles não são necessários e não devem ser pedidos para todos os pacientes e sua utilidade principal ficaria a cargo de investigar as complicações. No Rx de tórax comumente há hiperisuflação e aumento da transparência pulmonar, podendo ter atelectasias. Nos laboratoriais, pode não haver alterações, inclusive com uma proteína C reativa normal. Lesões consolidativas e alterações laboratoriais tendem a aparecer mais nas pneumonias. O exame complementar padrão-ouro é a pesquisa viral nas secreções das vias aéreas, porém um resultado negativo não descarta o quadro.

                Fizeste o diagnóstico! Bora internar todo mundo? Bem, novamente não. Mas alguns casos sim.

  • História de cianose ou apneia;
  • FR >60irpm;
  • Desconforto respiratório grave ou sinais de falência respiratória;
  • Doenças de base (cardiopatias, broncodisplasia, prematuridade);
  • Idade menor do que 3 meses;
  • Baixa ingestão por desconforto.

Apesar de não haver escore amplamente validado – repetindo: não há – a Urgência Pediátrica Integrada do Porto propõe os critérios abaixo para avaliar a resposta ao tratamento. Conceitualmente, diminuição de 2 pontos significa resposta ao tratamento. Se mantiver sinais de indicação de internação, internar.

Todos os casos leves podem ser manejados em casa. Os casos que após manejo inicial não apresentam critérios de internação podem também ser liberados para casa. E como seria este manejo? Basicamente suporte e alívio da obstrução da via aérea. Em casa, isso quer dizer:

  • Hidratação adequada e fracionamento da dieta
  • Higiene nasal
  • Sintomáticos
  • Orientação dos sinais de alarme para os cuidados (importantíssimo!)

No hospital, as medidas de suporte e de toalete da via aérea permanece. A hidratação é preferida por sondagem nasogástrica, mas, caso necessário endovenosa, iniciar com 70-80% da necessidade basal diária por risco de Síndrome da Secreção Inapropriada do ADH (SIADH), com reavaliações frequentes e hidratação enteral assim que possível. Além disso, lançaremos mão de:

  • Manter tranquilidade da criança
  • Oxigênio para manter saturação de pulso >92%
  • Broncodilatadores: os últimos estudos benefícios limitados, indicando-se um teste terapêutico, mas, se sem melhora, não usar
    • Salbutamol ou Fenoterol 0,15mg/kg/dose
    • Adrenalina 1mg/mL 0,05mg/kg/dose

Ufa! Que loucura pra uma coisinha tão pequena, né? Pois é, estes podem não ser os casos mais graves de sua emergência, mas fique certo, dominando o manejo da BVA conseguirás atender boa parte da tua demanda pediátrica no inverno.

Ah, antes que se perguntem sobre a salina hipertônica, corticoide, Ribavarina, ipatróprio: leram algo sobre isso aqui? Não? Pois então, exatamente: não façam.

REFERÊNCIAS:

  • Rola M, Oliveira G. Bronquiolite aguda. In: Carvalho I P, Mansilha H F, Matos P, Almeida R. Urgências Pediátricas do Porto: orientações clínicas. 1ª ed, 2010, pag 211-218.
  • Shefrin A, Busuttil A, Zemek R. Wheezing in Infants
    and Children. In Tintinalli’s Emergency Medicine: a comprehensive study guide. 8ª ed, 2016, pag 803-806.
  • Seethala R, Takhar S S. Viruses. In: Rosen’s Emergency Medicine: concepts and clinical practice. 9ª ed, 2018, pag 1608-1612
  • La Torre F P F, Kiertsman B, Pecchini R. Emergências em Pediatria: protocolos da Santa Casa. 2ªed, 2013, pag 857-862
  • Caballero, M T, Polack F P, Stein R T. Viral bronchiolitis in young infants: new perspectives for management and treatment. Jornal de Pediatria (Rio de Janeiro). 2017; 93(s1):75-83
  • Oakley, E, et al. Nasogastric Hydration in Infants with Bronchiolitis Less Than 2 Months of Age. The Journal of Pediatrics, 2016: 1-6
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