Dentro do contexto de emergência, o atendimento a pacientes com taquicardias é bastante prevalente. Em virtude disso, resolvemos fazer uma revisão focada na identificação e manejo inicial para facilitar sua vida e evitar que você mesmo fique taquicárdico durante o atendimento.
DEFINIÇÃO
Taquicardia é definida por uma frequência cardíaca acima de 100bpm, porém normalmente observamos algum comprometimento hemodinâmico em frequências maiores que 150bpm.
Importante! A taquicardia sinusal não é considerada propriamente um distúrbio elétrico cardíaco, em virtude de ser decorrente de uma resposta autonômica. Procure causas secundárias que a justifique (febre, agitação, dor, choque, TEP, hipovolemia, anemia…).
IDENTIFICAÇÃO
A monitorização do paciente é o primeiro passo para identificarmos a taquicardia. Caso o paciente não apresente sinais de instabilidade, deve ser realizado o ECG de 12 derivações. Lembre-se de já pegar um acesso venoso periférico e fornecer oxigênio complementar se saturação de O2 <94%.
Perguntas-chave ao avaliar o ECGO ritmo é sinusal? :::: O QRS é estreito ou largo? :::: O ritmo é regular ou irregular? |
– QRS estreito (< 0,12 ms):
- R-R irregular => fibrilação atrial (FA), flutter atrial com BAV variável e taquicardia atrial multifocal
- R-R regular => taquicardia por reentrada nodal (TRN), taquicardia atrial, flutter atrial e taquicardia por reentrada atrioventricular (TRAV).
– QRS alargado (≥ 0,12 ms): 80% dos casos são taquicardia ventricular (TV), portanto, na dúvida, trate como uma TV:
- R-R regular => TV monomórfica, ou taquicardia supraventricular com condução aberrante
- R-R irregular => TV polimórfica, torsades de pointes, fibrilação atrial associada com pré-excitação ventricular.
MANEJO
Nosso principal objetivo é definir se o paciente apresenta sinais ou sintomas de instabilidade hemodinâmica, o que será o divisor de águas para tomada de conduta. Para facilitar, lembre-se dos 4 Ds da instabilidade:
1) Diminuição do nível de consciência
2) Dispneia (com sinais de congestão pulmonar)
3) Desconforto torácico (dor de caráter anginoso)
4) Diminuição da pressão arterial (PAS < 90 mmHg, perfusão de extremidades reduzida, palidez cutânea, pele sudorética).
TAQUICARDIA INSTÁVEL
Se existir pelo menos um dos sinais de instabilidade, não pense duas vezes: realize Cardioversão Elétrica Sincronizada (CVE)**. Não esqueça de realizar uma sedação leve e já deixe o material para intubação pronto, caso necessário, porém não atrase a cardioversão para sedar o paciente!
Com o desfibrilador bifásico, para facilitar, lembre-se da carga de 100J para maioria das taquiarritmias. A FA é uma exceção, pois necessita de uma carga um pouco maior (120J).
** TV polimórficas: desfibrilação a 200J (não-sincronizada). Lembre-se que não será possível a sincronização com a onda R devido à desorganização do ritmo!
Sedoanalgesia para CVE
Sedação:
– Midazolam 3-5 mg bolus (repetir até sedação)
– Etomidato 0,3 mg/kg
– Propofol 30-50 mg bolus => Não utilizar em pacientes com fração de ejeção reduzida.
Analgesia:
– Fentanil 1-2 μg/kg
– Morfina 1-2 mg
– Quetamina 1mg/kg
TAQUICARDIA ESTÁVEL
– QRS estreito e R-R regular:
- Manobra Vagal: Não aperte os olhos do seu paciente! A massagem de seio carotídeo pode ser utilizada, mas evite em pacientes idosos. Prefira o uso da manobra de valsalva modificada -> Veja aqui como executá-la.
- Adenosina: Não resolveu com manobras vagais? Vamos para adenosina! Avise o paciente da possível sensação transitória de mal estar e flush facial. Lembre-se que a meia vida da adenosina é de 5 a 10s, portanto a mesma deve ser feita em bolus, seguida de flush e com o membro elevado. Doses: 6mg -> 12mg -> 12mg
- Bloqueadores de canal de cálcio: segunda escolha de tratamento caso não houver reversão com adenosina.
– Verapamil: 2,5 – 5,0mg lento; pode-se repetir 5 – 10 mg após 15-30 min, com dose máxima de 20 mg.
– Diltiazem: 0,25mg/kg em 2 min; pode-se repetir 0,35 mg/kg após 15 min da primeira dose. Contraindicações: bloqueios atrioventriculares, insuficiência cardíaca, choque cardiogênico, hipotensão arterial.
– QRS estreito e R-R irregular: O objetivo principal é controle de sintomas através de controle de frequência cardíaca ou ritmo. Ambas estratégias são aceitas, com taxas de mortalidade semelhantes (tanto para FA quanto para o flutter sem sinais de instabilidade)
- > 48h: Beta-bloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio são o tratamento de primeira escolha para controle de frequência. Lembre-se de que é necessário 4 semanas de anticoagulação antes de realizar a cardioversão.
- < 48h: Cardioversão ou amiodarona em dose de ataque em bomba de infusão + dose de manutenção.
– QRS alargado e R-R regular
- Amiodarona: droga de escolha! Realize ataque de 150mg em 100 ml SG5% em 15 minutos (podendo ser repetido a cada 15 minutos). Manutenção: 1 mg/min nas primeiras 6h e 0,5 mg/min nas próximas 18 h. Dose máxima diária: 2,2g.
- Lidocaína: pode ser usada em TV instáveis refratárias. Realiza-se ataque de 1 a 1,5 mg/kg e após manutenção de 1 a 4 mg/min. Efeitos colaterais: tonturas, parestesias, convulsões, parada respiratória. Sem efeito hemodinâmico importante.
– QRS alargado e R-R irregular: Torsades de pointes (TV polimórfica associada a prolongamento do intervalo QTc > 450 ms): suspenda drogas que aumentam QT e corrija distúrbios hidroeletrolíticos.
- Sulfato de Magnésio (MgSO4): Tratamento de primeira escolha. Dose recomendada de 1 – 2g de MgSO4 50% em 5 – 20 minutos. Se necessário pode-se realizar 2g após 15 minutos.
- Marcapasso Transvenoso: Deve ser utilizado para pacientes bradicárdicos que não respondem ao MgSO4, especialmente em pacientes bradicárdicos. Deve-se manter uma estimulação atrial ou ventricular de 100 – 120 bpm.
- Lidocaína: em casos refratários. Usar mesma dose que fibrilação atrial associada à pré-excitação ventricular.
- Amiodarona: 150mg em 10 minutos, posteriormemnte 1mg/min por 6h seguido de 0,5mg/min por 18h.
Fique ligado!
Muitas drogas antiarrítmicas tem potencial pró arrítmico e podem causar hipotensão, bradicardia, fibrilação ventricular, principalmente quando utilizadas em sequência. Caso não haja reversão de ritmo, considere o paciente instável e realize a CVE!
Bons estudos!
Referências:
(1) AHA Guidelines – Advanced Cardiac Life Support 2015
(2) Taquiarritmias na Sala de Urgência – Revista Qualidade HC – FMRP-USP
(3) Emergências clínicas USP – 12ª ed
(4) Manual de eletrocardiografia – Cardiopapers
(5) UpTodate – acesso em 29/07/19
Pensando em uma FA com >48h, devo anticoagular. Qual deve ser a minha escolha? Se optado por Warfarin, devo introduzir heparina junto até o paciente atingir a meta de INR?
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Olá Lucas!
A anticoagulação pode ser realizada tanto com Varfarina ou com os NOACs (anticoagulantes orais não-vitamina K). Não há diferença na eficácia da anticoagulação entre eles e também nao parece haver diferença nas taxas de AVC ou TVP. O que favorece o uso dos NOACs é a praticidade de nao necessitar controle de INR e a duração da anticoagulação poder ser um pouco mais curta.
Se for optado por varfarina, a heparina deve ser iniciada juntamente em bolus e posteriormente deixada em infusão contínua para manter um TTPA 1,5 a 2x do valor de controle. Para a varfarina objetiva-se o alvo de INR 2-3.
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